Se tratando de televisão, é difícil imaginar aquilo que ainda segue majoritariamente consistente 20 anos depois. Com quase um quarto de século de idade, Smallville completou duas décadas no dia de hoje (16), chegando ao seu fim em 2011, com 10 temporadas.
Apresentando a jornada do Clark Kent de Smallville até o Homem do Amanhã de Metropolis, a encarnação do herói feita por Tom Welling é certamente uma grande marca na trajetória do Homem de Aço na televisão. Com a chegada do HBO Max no Brasil, decidi assistir as 10 temporadas das aventuras do fazendeiro mais amado da DC Comics nesse produto icônico dos anos 2000. E hoje, já tendo concluído tal jornada, conto minha experiência com Smallville, 20 anos depois de seu lançamento.
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Uma Smallville moderna, mas sem abrir mão de sua essência
Antes de tratar dos personagens, é importante contextualizar o ambiente. De Metrópolis até a própria Smallville, acho que o fato da segunda cidade dar nome ao show já diz muito. Smallville ainda é aquela cidadezinha pacata que vimos em outras obras de Superman, mas já com seu pé nos anos 2000.
Os adolescentes têm interesses em Gorillaz e videogames, possuem seus computadores, definitivamente não abraça o estereótipo de transformar o Clark pré-Superman em um completo caipira (embora brinque com essa ideia frequentemente), o que se espera de uma série prequel do herói feita nos anos 2000.
Tal qual diversas séries que marcaram a televisão, Smallville já tem seu lugar especial até no mercado de turismo, justamente porque a ambientação foi um elemento muito bem (re)utilizado (pelo baixo orçamento da televisão, também). Mas vamos aos personagens.
Em Smallville, temos um Clark Kent como deve ser
Essa é a alma da série (em partes, também é a alma do Superman enquanto personagem, não só aqui, mas aí é outra discussão). E sendo assim, Clark Kent traz seu lado mais humano, menos puritano conforme a icônica versão de Christopher Reeve (que, aliás, fez excelentes aparições no show). Clark aqui é um personagem puro, mas não puritano.
Passando longe daquela figura imaculada que criamos acerca do Homem de Aço no imaginário popular, o projeto de herói apresentado é uma modernização necessária ao Superman, ou pelo menos é uma adaptação que funciona para mim. Claro que isso vai sendo desenvolvido, tendo uma evolução perceptível do fazendeiro com síndrome de heroísmo até o verdadeiro herói de fato. Mas a essência permanece: o Clark de Smallville ainda quer ver o bem nas pessoas, ainda acredita que todo mundo pode ser bom.
O bacana de se analisar também é a transição entre o fazendeiro e o Homem do Amanhã. A distinção dos alter egos adquiridos por Clark é um ponto levantado ao decorrer do show, mas a forma com que Jor-El permanece em seu misticismo dizendo que Kal-El teria “um futuro brilhante pela frente”, os tantos testes que o personagem passa… tudo isso simboliza um final que é verdadeiramente uma carta de amor aos fãs da série.
”Eu sou o vilão dessa história”
Agora vamos ao meu segundo personagem queridinho de Smallville (e Clark Kent não é o primeiro): o Lex Luthor de Michael Rosenbaum. Lex é, pessoalmente, o meu vilão de maior fascínio falando do Superman. No entanto, nem sempre se consegue extrair tudo do que Luthor pode representar de ameaça ao Homem do Amanhã, em especial porque representa exatamente o contrário do Homem de Aço.
Mas se engana quem pensa que o contrário do Superboy se encolheria; muito pelo contrário, Rosenbaum entrega a melhor encarnação que o vilão sofreu no audiovisual, sem a menor sombra de dúvidas. Ao longo das 10 temporadas, as intenções de Luthor nunca ficam muito claras, mas o quanto o personagem se corrompe ao longo da trama apenas para alimentar seu crescente ego é o que torna Smallville uma trama interessante o suficiente para mim em sua primeira metade. Há excessos (e muitos excessos) com o caminho que a trama deu ao vilão, mas sua jornada de amigo rico até arqui-inimigo de Clark é interessante o suficiente.
Seu pai também merece grande destaque. O Lionel Luthor de John Glover entrega muito do que seria o Lex Luthor clássico: embora suas intenções também sejam difíceis de prever, ele tem um ímpeto mais vilanesco que o filho, ao menos na forma em que a série trata de Lionel. Mas assim como Lex, seu rumo é extremamente duvidoso no roteiro, em especial nas temporadas finais.
Chloe Sullivan, Lana Lang e coadjuvantes
Há quem torça o nariz, mas a personagem original de Smallville caiu muito no meu gosto. Talvez por me identificar em uma coisa ou outra, a prima de Lois Lane é aquela companhia do protagonista que você tem até mais afeto, Sullivan se destaca muito pessoalmente. Mas, diferentemente do caminho que outros personagens tomaram na trama, Chloe se encontra em um destino traçado de forma compatível ao que a personagem representou nas temporadas anteriores.
O problema, pessoalmente, chega em Lana Lang. O eterno amor adolescente de Clark Kent é mais explorado do que nunca, principalmente nas primeiras temporadas, sendo o puro suco do drama adolescente característico da época. Porém, os caminhos que Lana seguiu em Smallville foram pelo menos duvidosos, embora a personagem não tivesse uma função prática muito clara se não ser a donzela em perigo típica das produções americanas. O meu destaque de par romântico fica para a Lois Lane de Erica Durance, talvez a mais marcante das interpretações do par romântico definitivo do Superman. Nessa encarnação, temos a personagem em sua versão mais humana, repleta de acertos e erros, mas também de presença extremamente marcada ao longo das 6 temporadas que esteve presente.
Seu lado investigativo pode não ser aquele que vimos em Superman & Lois, mas certamente é um traço destacável na jovem jornalista. Todavia, diferente de Lana Lang, a história traz ela não como uma personagem auxiliar de Clark, suas motivações o tornam autônoma o suficiente de Kent.
E aqui também vale falar dos pais de Clark, Martha e Jonathan Kent. Ao longo das 10 temporadas, a série mostra como ambos foram fundamentais não só para a formação de Clark Kent, mas consequentemente a formação de Superman. E vale o elogio aos atores, tanto Anette O’Toole (sim, a Lana Lang de “Superman III”) como Martha quanto John Schneider como Jonathan Kent.
Por fim, falando dos coadjuvantes, o núcleo em formação de Oliver Queen e da Liga da Justiça de Smallville. É uma insinuação tímida, mas foi a primeira da CW. A versão de Oliver Queen aqui também foi importante, até para consolidar o personagem antes que o mesmo ganhasse uma série própria na mesma emissora.
Vilões e enredo
Embora seja uma prequel, Smallville não hesitou em apresentar novas adaptações dos vilões clássicos do Superman. De Darkseid até Brainiac, todas elas possuem suas particularidades e liberdades criativas.
Mas além das grandes apostas, Smallville também trouxe vilões menos grandiosos, como o Toyman de Chris Gauthier. Nenhuma em particular me desagrada, mas há algumas que são menos adaptações fiéis e mais insinuações e referências ao que cada vilão representou de ameaça ao herói nos quadrinhos.
Agora falando do enredo: entramos em uma escala cinza na metade da série. Entre a quarta e a sétima temporada, os vícios de roteiro com Lana e Lex incomodam várias e várias vezes, em especial com o casamento de Lana e Lex (que é muito menos frustrante pela via de “o mocinho não se deu bem”, mas muito mais por um ritmo que descarrilha fácil). Quando tivemos a saída de Kristen Kreuk e Michael Rosenbaum, Smallville respirou novos ares. E Deus, como isso fez bem. Vale falar também da versão mais água com açúcar da Supergirl, aqui interpretada por Laura Vandervoort. Sem julgar a atriz, certamente, mas que versão mediana.
Conclusão: Aos trancos e barrancos, Smallville entrega uma boa obra para se entender Superman. Tem seus vícios, suas liberdades, mas a essência está ali. O destaque vai para Lex Luthor de Michael Rosenbaum, Lois Lane de Erica Durance e a personagem original Chloe Sullivan. Certamente memorável, além de ser melhor do que qualquer coisa recente que o personagem recebeu nos últimos 10 anos (com exceção de Superman & Lois) no live-action, bizarramente uma aula kryptoniana que Zack Snyder deveria ter tido.
Nota: 7,5/10
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