Correndo o risco de datar a crítica, ressalto que hoje (27) ocorre o Oscar 2022. Sendo breve, destaco que entre os nomes listados, Drive My Car de longe era o que mais me intrigava. Seja pela correlação imaginária com a música dos Beatles, o clima completamente intimista de todo material publicitário acerca do longa, ou a larga aceitação do filme na minha bolha, tudo tornava a expectativa colossal. E no fim… correspondeu.
Hoje, irei realizar a crítica de Drive My Car, filme dirigido por Ryusuke Hamaguchi, adaptação da obra de Haruki Murakami, e a minha escolha pessoal para o Oscar de Melhor Filme nesta temporada. Vamos lá?
O texto abaixo contém spoilers.
Drive My Car dialoga sobre as diferentes formas do luto
Tudo no filme é intimista, é detalhado, Hamaguchi enquanto diretor tem mutíssima atenção aos detalhes. Portanto, já tiro o elefante do meio da sala de antemão: as quase três horas são profundamente bem aproveitadas pelo diretor, que se permite contar cada minucioso detalhe (nominalmente ou apenas de forma visual) sem parecer truncado ou afetar seriamente o ritmo.
Mas, principalmente, o filme trata do luto. Dois anos após a morte de sua esposa, Yusuke recebe uma oferta para dirigir uma produção do Tio Vanya num festival de teatro. À medida que brotam tensões entre o elenco e a equipe, Yusuke é forçado a enfrentar verdades de seu passado com a ajuda de Misaki, uma jovem escolhida para ser sua motorista.
Só com essa sinopse, já podemos destacar um elemento narrativo incrível: o carro é um mecanismo de roteiro para Yusuke compartilhar os seus mais profundos males da alma. Por “Drive My Car” (“dirija meu carro” em bom português), entende-se que, o laço entre Yusuke e seu carro vai muito além do meio de locomoção.
Era ali que ele trazia suas angústias e reflexões ao mundo, muitas vezes usando suas peças como mecanismo. O ceticismo com Misaki se justifica, mas os dois desenvolvem uma lindíssima relação que compartilha a dor, compreendida pelos dois de formas diferentes.
Yusuke se martiriza pela morte de Oto, sua esposa. Sem saber, ele poderia ter evitado a morte da mulher amada. Mas, no fim do dia, ele pensa que de qualquer forma, tudo seria diferente daquele dia em diante. Mas não estamos em Hollywood, e Drive My Car sabe dosar muitíssimo bem a condução de sua trama, fazendo o protagonista compartilhar detalhes de suas angústias verbalmente de forma muito tímida. Os olhares vazios e a cara fechada muito dizem em um silêncio ensurdecedor, como de alguém que tem dificuldades de expressar o que sente.
Porém, após participar como diretor de uma peça, o dramaturgo precisa confrontar suas dores em uma companhia fora de divindades ou seu carro, apenas; quando ele precisa compartilhar parte de sua dor com a motorista, mal imagina os maus bocados que Misaki já passou. O que os dois compartilham? O luto.
O filme fala muito, e ao mesmo tempo fala de tão pouco. Nos diálogos trocados, a sensibilidade da jovem é louvável, em entender as dores de Yusuke após a perda da filha, que a essa altura teria sua idade, e a esposa. Misaki perdeu a mãe, e assim como Yusuke, se culpa diariamente pela fatalidade.
Entre as várias frases de efeito, algumas mexeram muito comigo. As principais envolvem a questão do amor afetivo e o amor próprio, quando Misaki diz que, por mais que a gente ame, nunca entenderemos completamente o coração do próximo. Esse exercício de compreensão cabe a quem mais ignoramos: nós mesmos. Já de Yusuke, a fala mais icônica é consenso:
“Aqueles que sobrevivem continuam pensando sobre a morte. De um jeito ou de outro, isso vai continuar. Você e eu devemos continuar vivendo desse jeito. Nós devemos continuar vivendo.”
No fim, o luto é também sobre conviver com a dor, nem que seja compartilhada. Parafraseando o encerramento de Yu Yu Hakusho, “a força para viver vai mostrar que foi bom, que valeu”. É uma jornada sobre sentimentos, certamente, mas também sobre como compartilhá-los torna tudo melhor no fim do dia.
Deixando a temática de lado um pouquinho, destaco os diversos fatores técnicos. Fotografia, trilha sonora, atuações, roteiro, tudo no ponto. Destaco a personagem coreana de Park Yu-rim, Lee Yoon-a, que utiliza a linguagem de sinais como forma de comunicação, uma representatividade muito bacana para o cinema!
Conclusão: Pessoalmente o favorito do Oscar, Drive My Car é sobre luto, sobre amizade, sobre a solidão, sobre o silêncio. Mas, acima de tudo, é sobre compartilhar nossos sentimentos. É o que torna tudo tão mágico, e é essa mensagem tão lindamente executada que me cativou. Impecável em fatores técnicos, a experiência de quase três horas é um deleite do início ao fim.
Nota: 10/10
Mas e você, teve a oportunidade de ver o filme nos cinemas? Lembrando que ele chega ao MUBI no dia primeiro de abril.