Como Cidade de Deus foi boicotado no Oscar de 2003

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O cinema nacional é marcado de diversos clássicos, de nomes recorrentes até obras completamente autorais, seja Cidade de Deus ou Zé do Caixão. Todavia, a presença da nossa terra no famigerado Oscar é sempre pontual: sem contar as nomeações de trilha sonora, a estreia do Brasil na Academia ocorreu em 1963, com a indicação de “O Pagador de Promessas” para o Oscar de Melhor Filme Internacional.

Desde então, nossa aparição nos nomes é pontual. O mais marcante, ainda no século XX, se dá para Central do Brasil, que rendeu as indicações de Oscar de Melhor Filme Internacional e Oscar de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro. Mas hoje, iremos comentar a situação mais emblemática envolvendo o país na mais notória premiação de cinema do mundo: o boicote de parte da Academia com Cidade de Deus na edição de 2003.

Para entender a problemática conjuntura que levou à desclassificação do longa brasileiro de 2002 naquela ocasião, é preciso entender a estrutura do Oscar de Melhor Filme Internacional como um todo.

Conforme relata o historiador e crítico brasileiro Waldemar Dalenogare, o processo envolvia até então uma classificação por média, com a lista de indicados sendo os 5 melhores filmes enviados por cada nação naquela temporada. 

Porém, antes que o filme chegue aos críticos, ele precisa atender aos diversos pontos que constituem sua eligibilidade à indicação: o idioma falado é predominantemente a língua nativa do país onde o filme foi feito? A equipe e o elenco envolve grande parte da nacionalidade indicada pela nação que selecionou aquele filme? Tudo isso é levado em consideração.

Na ocasião, o Brasil selecionou Cidade de Deus para o representar no Oscar, atendendo aos principais critérios técnicos básicos para uma seleção mais apurada, levando o filme para o que era o próximo grande passo na época: a exibição aos críticos.

No material divulgado por Dalenogare em seu canal no YouTube, o crítico explica que lhe foi relatado que o longa brasileiro foi um dos primeiros a serem exibidos, embora o crítico anônimo do Oscar não tenha identificado se a escolha foi por ordem alfabética dos próprios filmes ou dos nomes dos países.

Conhecido por ser o braço mais conservador do Oscar, a parte da Academia que selecionava os filmes estrangeiros deveria residir em Los Angeles, onde a exibição da Academia ocorreu. 

A exibição, que comportava entre 300-500 espectadores, foi controversa. Se por um lado, diversos críticos consideravam o filme uma verdadeira obra de arte, outros consideravam-o apelativo, promovendo um realismo forçado e desnecessário.

Considerando que a média aritmética da seleção dos 5 indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional ocorria pelos cinco filmes que possuíam a melhor nota, o fato de diversos críticos terem deixado a sessão (o que desclassificava o filme por parte daquele crítico), era inevitável que Cidade de Deus perdesse a indicação, como de fato aconteceu.

Porém, a distribuidora do filme internacionalmente, a Miramax, brigou pelo longa dirigido por Kátia Lund e Fernando Meirelles. 

A ocasião foi tão atípica, que uma reunião emergencial foi organizada incluindo a presença do líder do comitê de filmes estrangeiros do Oscar na época, Mark Johnson. Entre os motivos do esvaziamento da sessão, um crítico anônimo presente na sessão citou uma “vocal minoria” contra a presença de cenas de sexo e violências explícitas nos filmes, muito caracterizado pelo perfil conservador dos críticos desta ala, que até então eram tipicamente homens brancos de meia-idade. 

Não é em vão que por muitos anos, a categoria de filmes estrangeiros serviu como um pretexto para mais prestígio de produções europeias, geralmente com estruturas semelhantes às de Hollywood.

Havia o padrão de, entre os 5 indicados, 4 serem europeus e 1 ser asiático ou latino como forma compensatória, e a gestão de Mark Johnson vinha para corrigir isso, além de dar maior ênfase no cinema africano, muito pouco pressionado por anos. Caso o filme fosse indicado naquela ocasião, dado a falta de lançamento nos EUA em 2002, ele não iria concorrer aos demais aspectos técnicos, como o prêmio de Melhor Direção, Fotografia e outros. 

O diretor da Miramax afirmou que haviam planos de lançar o filme nos EUA ainda em 2002, mas o lançamento estadunidense de Cidade de Deus ocorreu apenas em 2003, e ele ainda declara que não se arrepende da decisão, com o Oscar de 2004 tendo indicações por questão de honra. Por fim, ele ainda menciona que, se não fosse Senhor dos Anéis, o filme teria maior destaque. Cidade de Deus foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, Fotografia, Edição e Direção na edição de 2004.

O curioso é que o boicote de parte dos críticos com o filme serviu como metodologia de mudança: uma pesquisa foi encomendada visando acabar com injustiças como a do caso de Cidade de Deus. A solução foi a conhecida pré-lista típica do Oscar, que surge como uma alternativa aos filmes que por algum motivo não atendem ao gosto dos críticos.

As típicas 5 indicações ainda estão reservadas, mas há uma espécie de bônus para dar a oportunidade para filmes que podem ser pertinentes ao Oscar que são cogitados. A metodologia de pré-lista transcendeu a categoria, e hoje faz parte de diversos outros prêmios do Oscar, como o prêmio de Melhores Efeitos Especiais e Curta-metragem live-action. 

Mas e você, conhecia a emblemática história de Cidade Deus e o Oscar? 

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